Texto de Joana Mendes
Hoje não vim falar sobre dados, SEO ou tendências digitais. Vim falar de algo que, pra mim, é mais profundo, algo que pode mudar completamente a forma como você — e a sua marca — enxergam o mundo e seus consumidores. Antes, deixa eu te contar uma história.
Estava numa consultoria para a maior marca do Brasil no seu setor. A empresa vende para as classes C, D e E, mas vem sofrendo com a queda nas vendas nos últimos anos.
Certa manhã, um colega chegou atrasado, ofegante, pedindo desculpas. “Eu estava muito longe daqui”, ele disse. Eu, que sou de Rondônia e não conhecia a região, perguntei: “De onde?” Ele explicou o bairro, e de fato, era bem longe. Uma outra pessoa perguntou: “Você veio de carro?” Ele respondeu que não. A pessoa ficou chocada: “E veio de quê?”
E a resposta, entre mim e o colega, em coro: de ônibus. A distância era grande demais para ir a pé, e metrô ou trem não chegavam até lá. Então, a única opção seria ônibus.
Quando eu era líder criativa na América Latina para uma grande marca, eu costumava ir ao México com frequência. Uma das coisas que impressionava os meus colega era quando eu dizia que preferia andar de transporte público e até tinha meu bilhete único mexicano.
A agência cobria minhas despesas de transporte, mas eu fazia questão de ver como as pessoas realmente se movem pela cidade, de entender o que elas enfrentam no dia a dia, de observar como consomem nossos produtos fora de uma sala de pesquisa espelhada. Para mim, isso sempre valeu muito mais. Ver a vida acontecendo de perto faz toda a diferença.
E não era só para economizar tempo no trânsito difícil da Cidade do México. Eu evitava o isolamento — aquele distanciamento confortável que tira de nós a visão real do mundo que estamos tentando impactar.
O mesmo vale aqui, em São Paulo, no Rio de Janeiro, e em qualquer grande cidade. Se você está sempre indo de um ponto a outro de carro, protegido por essa redoma de vidro, você não vê. Você não sente. E se não está vendo ou sentindo, como pode entender de verdade o seu público?
Se segurança é uma preocupação, então andar de transporte público vai te mostrar que esse é um problema que afeta todos nós. Só quando a gente compartilha das mesmas dificuldades, podemos começar a exigir soluções reais, para todos.
Esse abismo que nós vivemos discutindo nas reuniões — que nos faz mudar de conceito, de estratégia, de ano em ano — não vai ser resolvido por mais um novo posicionamento. Ele só vai ser superado quando a gente se conectar de verdade com quem usa as nossas marcas.
Então, meu conselho é simples: saia do seu carro. Pegue um ônibus. Veja o mundo com outros olhos. Isso pode mudar tudo. Inclusive, a sua estratégia de branding.
Sobre a autora:
Joana Mendes (Linkedin) é rondoniense, LGBTQIA+, redatora há 19 anos, primeira presidente negra da história do Clube de Criação, Diretora de Criação há 7 anos, escritora do Manual de Penteados para Crianças Negras.
Com passagens por agências como, Loducca, FCB, R/GA, WT, dentre outras. Já fez mais de 25 design sprints para clientes como Nestlé, Nivea, Unilever, Kellogg ‘s, Nike Global e Google, onde foi a responsável pela campanha de maior sucesso da história da marca no Brasil. Foi jurada e palestrante em Cannes em 2022 e 2023, palestrante e jurada no D&AD 2023, jurada no El Sol, LIA, Clio, Cresta, Clube de Criação, dentre outros.
Foi considerada uma das pessoas que está transformando a comunicação pelo Papel&Caneta, 100 Creative pela AdWeek. Atualmente, é Creative Lead LATAM na StudioX/WPP.
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